Autoria O jantar está quase

A Maternidade é um festival de verão

Muito sinceramente, gostava de aproveitar este espaço para ensinar qualquer coisa de útil sobre maternidade. Mas, desde as caixas de comentários das redes sociais à senhora desconhecida com quem  nos cruzamos no supermercado, passando pela vizinha do 1.º esquerdo e a avó de outra criança qualquer, vai um mundo de gente que se ocupa dos ensinamentos da função de mãe, pelo que nada do que eu hipoteticamente tivesse para dizer sobre isso ia acrescentar alguma coisa de novo.
Assim sendo vou antes aproveitar para dizer que maternidade na vida real é, nada mais, nada menos, do que as diferentes formas de assumir, de sentir e de viver as funções de mãe.
E se há por aí gente que diz que a vida é uma montanha russa, eu também posso dizer que para mim a maternidade é um festival de verão.
Sim, um mega festival com tudo de bom que ele tem e, obviamente, com todo o desgaste que provoca. Só que neste caso não termina ao fim de uma semana de regabofe e maluquice, é loucura que se prolonga pelo outono, inverno e primavera sem nos dar descanso.
As mães que foram verdadeiras festivaleiras do antigamente devem concordar comigo, aqueles primeiros e extenuantes meses de maternidade colocam-nos em situações muito parecidas às que vivíamos nos festivais de verão:

# Nos festivais passamos noites seguidas sem dormir, até mesmo naquelas em que o cartaz não é grande coisa, em que já acusamos o cansaço e nada nos saberia melhor do que o nosso colchão, aguentamos firmes até ao fim do concerto, de pé, a balançar-nos na esperança que a música acabe rápido. Na maternidade a música é outra, mas o colchão é o mesmo. Às vezes nem o sentimos tocar no lombo. Passamos noites a pé a embalar os rebentos até as pestanas ficarem semicoladas e vermos tudo enevoado. Mas aguentamos firmes até ao fim.

# Nos festivais não comemos grande coisa, petiscamos qualquer cena porque há muito para viver. Na maternidade muitas vezes nem comemos ou comemos para enganar o estômago porque há prioridades e há um ser que depende de nós para viver.

# O aspeto ‘banho-por-tomar’ é uma constante e o cocózinho habitua-se a viver espremido dentro de nós. Num caso, ou porque a água era demasiado fria, ou porque o tempo era demasiado escasso. Ou porque as casas de banho eram um nojo, ou porque fora de casa não dava jeito. Na maternidade é apenas porque a casa de banho já não nos pertence. Aprendemos a tomar banho a fugir, com um pé dentro e o outro fora, sempre à espera do apito da corneta que chama por nós. E aprendemos também a ter audiência, aplausos e barulheira cada vez que pousamos a albarda numa sanita.

# Acordamos desgrenhadas até ao último fio de cabelo, como se tivéssemos sido levadas no olho de um furacão. Confesso, há dias que acordo ao fim de uma hora de sono, olho-me ao espelho e percebo que é melhor fingir que estou no SW2005. Ato o cabelo para parecer composta, esfrego qualquer coisa na cara e siga viagem porque há gente para tratar.

# Nos festivais bebemos tanto que há noites em que passamos do rir à gargalhada para o chorar que nem madalenas arrependidas, com o peito amolgado de tantas emoções profundas. Achamos que não aguentamos mais, que o mundo anda à roda, mas um par de horas depois estamos rijas que nem aço para enfiar mais uns copos. Na maternidade dispensamos a bebida porque as hormonas já nos deixam bêbedas de sensibilidade o suficiente. O que é horrível agora é um mar de maravilhas no minuto seguinte. O que agora é fragilidade é a força de uma leoa uns segundos depois.

# Às vezes temos percalços pelo caminho, chateamo-nos com os amigos, achamos que há coisas que são demais mas fazemos as pazes e seguimos para o próximo palco já abraçados e em tom de festa. Na maternidade também. Há momentos em que saímos de nós, esperneamos que nem enguias, chateamo-nos e impomos limites, mas seguimos abraçados para a vida porque não há mal que o abraço de um filho não resolva.
A verdade é que não há nada mais fantástico do que a maternidade.
Mas os festivais de verão! Vá, os festivais de verão também são muita bons.
Os da minha altura, claro. Que eu, mãe de uma adolescente, não posso andar por ai a dizer que essas coisas são boas, não vá a moça querer experimentar.